Em 1983, ano em que Michael Jackson apresenta “Billie Jean” e o famoso passo de dança Moonwalk, chora pela primeira vez de alegria neste mundo Daniel Jones. Vila Nova de Milfontes serviu-lhe de berço, de pátio para brincar e de escola para se tornar homem. Contemporaneamente, Daniel Jones é mais conhecido na pátria lusitana pelo pseudónimo de Praso, que usa para assinar as suas composições artísticas no seio do movimento e património cultural que é o Hip Hop.
Foram os pixels, que se vidraram na sua retina, e o banzé emitido pelas colunas da sua TV, que se infiltraram nos seus canais auditivos até lhe subirem ao cérebro, a destinarem-lhe a perda da virgindade com o Hip Hop, nos idos anos de 1990. Porém, como a MTV não era uma namorada confiável, Praso perdeu o interesse em continuar a vê-la e a ligar-se afectivamente a ela, mas manteve, contudo, as memórias das boas sensações que lhe havia causado. Ali, sentiu ineditamente o prazer que o Hip Hop pode pulsar na carne e no espírito. Dali para frente, não lhe bastava o hedonismo, Praso queria sentir o amor verdadeiro.
Se o Cupido nos acerta de forma fulgurante e quando não estamos à espera, o disco “Rapública” foi a flecha encharcada de vício que injectou as primeiras gotas de amor na corrente sanguínea de Praso. Seguiram-se as descobertas, o entendimento desse sentimento, a cada vez mais provável certeza de que o Hip Hop seria um amor para toda a vida. Um amor que ainda só lhe falava ao ouvido. Todavia, algures em 1997, apresentou-se a ele pessoalmente. Carlos Drummond de Andrade, escritor brasileiro, escreveu que se alguma vez na vida o nosso coração parar por instantes temos a prova de que contemplamos algo que amaremos. Assim foi com Praso, numa festa de escola, em que DJ’s, Writters, B-Boys e MC’s o fizeram deixar de viver por uns segundos elevando-o às nuvens para a consumação do pedido de permissão a Deus para verdadeiramente amar algo terreno. Feito, dito e consentido.
A avidez em alimentar o sentimento levou-o a forrar as paredes da sua casa com o som de Sam The Kid, 7PM, Guardiões do Subsolo, Dealema, Terrorismo Sónico... Percebeu que em qualquer lado se fazia Hip Hop, que qualquer um se podia unir a ele. Praso tinha as suas paixões, tinha os seus ídolos, tinha a sua afeição ao Hip Hop, que continuadamente explorava. No entanto, começou a sentir o apelo para viver a plenitude desse amor. Um impulso do ânimo levou-o a querer pegar na caneta, a querer ter batidas, a expressar a sua pessoalidade. Praso quis conhecer-se por inteiro através dum espelho que deixa sermos o que quisermos. Espelho esse o Hip Hop, pois claro.
Apetrechando-se de material e empolgado pela força que lhe atravessava todo o corpo, Praso meteu mãos-à-obra e foi esculpindo na imaginação aquilo que depois os nossos ouvidos sentiram. Em 2002, surge a maquete “Praso – Prelúdio”, que serviu de primeiro tubo de ensaio e um ano depois seguiram-se mais dois trabalhos no mesmo formato – “3D – 3D” e «Praso – Assistência Vol.1». Fazendo correr o seu nome e burilando as suas capacidades, iniciam-se os convites para integrar projectos alheios a nível nacional, a saber: “Compilação Alemdotejo”, com edição da Covil, “Música de Palavra” de DJ Gijoe, “Beats e Rimas”, colectânea de sons com selo da Chocolate Bars, e finalmente a compilação “De Norte a Sul do País”. Pelo meio, mais uma edição independente de Praso, o EP “Cofre Nocturno” com vinte temas feitos entre 2002 e 2004. A provar a independência, o poder de iniciativa e a capacidade de trabalho deste nómada que actualmente reside em Sines, 2007 conhece “Focus 360º”. Todavia, a obra-prima de Praso, aspirante a plantador de trevos de quatro folhas, é o seu disco “Alma&Perfil”, desvendado ao mundo em 2009 e de forma totalmente gratuita. Ali, tudo é uma harmoniosa composição de finas e clássicas linhas, vibrando de essência e elegância e emolduradas em vértices de profundo bom gosto. Nota para a apresentação deste álbum em Itália,
num festival em Cantanzaro.
Se um guarda-redes atinge a maturidade para o desempenho da sua actividade aos trinta anos, Praso com mais jovialidade encaixa tipo Lego na parede de talentos do Hip Hop português. Com ele, não sentimos as “palavras gastas” como anunciava Eugénio de Andrade. A sua música, tal como a sua alma, tacteia-se, «sente-se como braille». É ponto de honra a criatividade, a consciência, a versatilidade nas valências de MC e produtor e o destemor por desafiar os seus próprios limites, baseado-se na firme convicção de que é urgente realizar o impossível. Obriga-se a satisfazer os sonhos que lhe são poeira no subconsciente mas que ele deseja transformar em matéria. Definitivamente, a sua história está longe de acabar. Tudo o que aqui não foi escrito, Praso encarregar-se-á de musicar. Para júbilo de todos aqueles que apreciam a qualidade do seu trabalho e que querem um Hip Hop português progressivamente mais saudável. A vida costuma dar muitas voltas e quem sabe se o próprio não encontra respostas e soluções para as perguntas que formula: «Deus, posso ser eu a julgar-Te?/ Por que é que não posso fazer da minha vida só arte?». Praso – eternizando a validade da cultura Hip Hop portuguesa.
ONE LOVE
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